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Nova filosofia e dupla de respeito com Abel Braga: a função de Torres no Flu

Em entrevista ao GloboEsporte.com, gerente de futebol explica seu trabalho, lembra experiência no United e avisa que treinador terá participação crucial nas contratações


Logo após o falecimento do Capita, Torres representou o pai e foi homenageado pelo Fluminense no Maracanã. Reaproximação entre o clube e o ex-zagueiro começou ali (Foto: Nelson Perez / FluminenseFC)

Fala pausada e jeito tranquilo. O perfil de Alexandre Torres fica claro logo no primeiro contato: o novo gerente de futebol do Fluminense não gosta muito de aparecer. Nem pense em chamá-lo de executivo ou gestor. Torres prefere trabalhar longe dos holofotes e tem a explicação na ponta da língua: para ele, o destaque tem de ser dado aos jogadores e não aos dirigentes.
- Sou filho do Carlos Alberto Torres. Todos conheciam meu pai. E quando ele era treinador isso dava problema. Ele dava mais autógrafo do que muito dos seus jogadores e isso gerava confusão. Eu já tive meu tempo de atleta. Minha vez de estar em destaque já passou - explicou Torres, em entrevista ao GloboEsporte.com, citando o pai falecido há menos de dois meses.
Primeiro jogador do Flu a pisar em Xerém
Tirando esse início de trabalho e a procura inicial da imprensa, será raro ver entrevistas com o gerente de futebol tricolor. Sua função na nova diretoria do Fluminense, no entanto, já está bem definida. Além de ajudar nas negociações graças à sua experiência, o ex-olheiro do Manchester United vai formar uma dupla de respeito de ex-zagueiros com Abel Braga no dia a dia do futebol. O objetivo é implementar uma nova filosofia nas Laranjeiras, tanto de comportamento como na busca por reforços, sem esquecer da política financeira do clube. Como o próprio Torres resume, sem fazer loucuras.
- Por eu ter sido jogador, ter atuado no clube, saber o que é ser jogador do Fluminense, talvez os que estão chegando ou os que são mais novos podem se sentir mais à vontade para me procurar e expor o que estão pensando (...) Tem coisas que o jogador não se sente a vontade de falar com o treinador. Vou estar lá para isso também. Ou vice e versa. Abel e eu estamos em sintonia (...) Queremos mentalidade vencedora e comprometimento. Vamos procurar errar menos, sem loucuras.
Identificação com o Flu não falta. Revelado nas categorias de base do clube na década de 80, Torres foi o primeiro jogador tricolor a pisar em Xerém. Foi o atleta que representou o clube no dia da inauguração do centro de treinamentos. Nesta entrevista na tribuna de honra do Estádio Manoel Schwartz, Alexandre falou ainda sobre como surgiu o convite para voltar, disse que a troca de jogadores com outros clubes é uma das alternativas para driblar a falta de dinheiro, relembrou seu trabalho como olheiro do futebol inglês e garantiu que a situação de Conca, ídolo tricolor que está prestes a voltar ao Brasil, sequer foi tratada pela diretoria. Confira a íntegra:
Como foi o convite para trabalhar no Flu?
Foi um pouco surpreendente. Estava pensando em partir para essa área. Até falava com algumas pessoas, mas era algo bem restrito. Não estava correndo atrás, tinha emprego, tinha trabalho para entregar. Tinha comentado com meu pai até. Marcelo (Teixeira, gerente da base) tinha contato comigo às vezes e sabe o que penso de futebol. Conversamos algumas vezes e ele sabia que eu acompanhava muitos jogos pelo meu trabalho. Trocamos ideias, ele perguntou se tinha chance de eu sair. Foi isso o que aconteceu. Depois o meu pai faleceu. E teve aquela homenagem que eu participei no Maracanã. Talvez tenha sido um reencontro meu com o Flu. Fui ao jogo, vesti a camisa, ali já existia a ideia. Depois veio a eleição. Surgiu a informação, mas não tinha nada certo. Não queria entrar na política e também, realmente, não estava certo. Depois da eleição, o Marcelo falou comigo e fizemos a negociação aqui e lá com meu time.
Qual será a sua função exatamente?
Vai ser no dia a dia do futebol. Com jogadores, treinador e comissão técnica. Mas também vou participar de avaliação, de negociações. Fazer uma estratégia para o clube. A gente quer que o time tenha uma filosofia. Ela vai se aplicar no profissional, nas categorias de base, nas negociações, na transição. Essa é uma ideia que me agrada, quero participar disso. Mas vou estar no dia a dia mais com o técnico e os atletas.
Mas na prática...
Tenho uma ideia clara na minha cabeça, mas é teoria. A prática será diferente. Se pudesse descrever, seria como lidar com o jogador. O clube vai ter uma norma, uma conduta, e tem também o que a gente espera do jogador, entende? E alguém tem de cobrar. O treinador e o presidente às vezes não podem ter esse desgaste para ir cobrar uma atitude ou uma indisciplina, dar um conselho. Ou mesmo só estar perto. O jogador precisa desabafar e talvez não queria falar com o treinador ou com o vice-presidente. E tem que ter alguém ali que ele confie para que possa relatar alguma dificuldade. Estão vindo ainda atletas estrangeiros. Tem uma série de situações que terei de lidar, que terei de interagir. Esse acho que vai ser o meu trabalho mais diretamente envolvido com essas pessoas. Por eu ter sido jogador, ter atuado no clube, conhecer a história, saber o que é ser jogador do Fluminense, talvez os que estão chegando ou os que são mais jovens se sintam mais à vontade para me expor o que estão pensando  e precisando. Ou até para ser cobrado.
E como será essa filosofia?
Todo mundo busca o time que ataque e defenda bem. Vamos buscar jogadores que saibam fazer as duas funções. Isso não é um bicho de sete cabeças. Mas o que queremos é algo além disso, a mentalidade vencedora e o comprometimento. São os componentes mais importantes. Os jogadores que observamos são os mesmos que os adversários observam. Existe uma disputa. A verdade é quem erra menos. Vamos procurar errar menos, sem fazer loucuras.
Vai chegar mais alguém para trabalhar ao seu lado ou você será o homem forte do Flu?
Não gosto desses termos, “homem forte” ou “executivo”. Eu sou do futebol. Homem forte do clube é o presidente. É ele quem assina. Somos parte de uma equipe, todos têm a sua opinião... Vamos falar o que estamos vendo, mas a palavra final é de quem comanda o clube. Vai ter ainda o vice-presidente de futebol (Fernando Veiga), hierarquicamente ele está acima da gente. Ele vai participar também, juntamente com o Abel. Se vai vir mais um, não estou a par. Mas também não vou opinar sobre isso. Sei da postura que tenho de ter, estou consciente do trabalho que tenho de fazer. Se vier mais um, não tem problema.
O que rolou na reunião de quarta?
Foi a segunda vez que estive com o Abel. A gente conversa sobre o elenco, o atual e o que queremos montar. E como que vai ser a chegada dos jogadores, a reapresentação. Serão dois grupos, um dia 4 de janeiro e outro no dia 11. Como que será a recepção deles? Teremos dois estrangeiros, equatorianos, jovens. Vamos precisar dar uma acolhida, explicar como é o Carioca, a Primeira Liga, quando vai começar o Campeonato Brasileiro. Temos de ambientar eles no clube e no grupo. Tem uma série de coisas que temos de preparar para o começo da temporada, para que ela seja o melhor possível.
Essa diferença entre o elenco atual e o que vocês querem montar é grande?
O elenco do Fluminense é grande. E tem muito jogador formado na base. A gente entende que tem de valorizar eles. Nenhum pode ser desvalorizado, eles pertencem ao clube. A gente vai buscar montar o grupo dentro de uma forma que agrade ao treinador. A gente também não vai sair contratando qualquer um, ''a Bangu'' como se dizia antigamente. Vamos contratar os atletas nas posições que mais precisamos e o treinador entende que vão ser importantes.
Dá para esperar novidades ainda em 2016?
As negociações não param. Vocês são novos, mas já vi muito jogador ir dormir em um time e acordar no outro. Já vi até o cara tirar foto com uma camisa e depois se apresentado em outro clube. As negociações estão correndo. Já conversamos com clubes, com empresários, com jogadores. Pode ser que amanhã alguma avance ou recue, mas elas estão ai. O ideal é ter novidades antes do fim do ano, já que a primeira reapresentação será no dia 4 de janeiro.
O Abel participa nesse contato direto com os jogadores que podem chegar?
Entendo que hoje é importante ter uma palavra do treinador. Na hora da negociação, uma palavra do treinador. ele falar para o jogador ''quero contar contigo, vou te usar desse ou daquele jeito''. Isso é legal, é interessante essa aproximação. No dia a dia do clube vai se criar outra situação. Tem coisas que o jogador não se sente a vontade de falar com o treinador e pode me procurar. Vou estar lá para isso também. Ou vice e versa. Abel e eu estamos em sintonia, para mim é tranquilo. Nas negociações, eu, Marcelo e Abel falamos. A participação do treinador nessa abordagem é interessante. Afinal é ele que vai trabalhar com eles. E os jogadores querem ouvir o treinador. Quando chegar o momento certo, pelo nome e pela carreira vencedora que o Abel tem, é importante participar e falar com o jogador.
A situação do Conca, que pode voltar ao futebol brasileiro, já foi falada nessas reuniões?
Não falamos sobre o Conca.
Abel indicou o Wellington, volante do São Paulo. Ele tem indicado outros jogadores ou os nomes partem da diretoria?
As indicações são de todas as partes. Do mundo inteiro. E a gente analisa, lógico. Hoje em dia é difícil ter uma novidade no futebol, tirar um coelho da cartola, um jogador que ninguém conheça. Todos conhecem todos. Lógico que temos de fazer isso dentro da perspectiva de treinador, de jogo que ele quer fazer e de tática que vai usar, e se o atleta se encaixa no que o clube está querendo, como falei no início sobre a filosofia. Não dá para falar de nome para não criar a expectativa e atrapalhar a negociação, mas estamos buscando nomes para serem referências no grupo.

Diante da situação financeira, a troca de jogadores com outros clubes é uma saída?
Sim, pode ser uma saída. O elenco é grande, tem muitos atletas da casa e tem jogadores que a gente entende que tem ainda valor de mercado. E tem clubes os assediando. É uma oportunidade para a gente buscar alguma coisa. Só vamos fazer o negócio se for interessante para o Fluminense. Quando existe a troca, às vezes um dos lados acha que pode sair perdendo. Estamos buscando atletas com a mentalidade vencedora. Queremos é errar o mínimo possível nesse primeiro momento. Com postura dentro e fora de campo, liderança. Isso é importante.
O presidente fala em quatro reforços para o time titular. Mas pode chegar mais gente caso saiam jogadores, certo?
O nome já diz... Queremos essas peças para reforçar o time. A princípio, sim. Se parar para analisar friamente as contratações, um time como o Palmeiras, campeão brasileiro, contratou 40 esse ano e depois descobriu que o melhor era um garoto que estava na base. Claro que queremos qualificar o elenco, alguém que chegue, vista a camisa e seja titular. Isso é lógico. Mas é dentro de campo que ele vai dar a resposta. Mas não significa que alguém da base não possa superá-lo, ser titular. Temos atletas qualificados na base. Reforços vão ter que mostrar que têm condição de serem melhores do que eles.
Como era o seu trabalho no Manchester United?
Posso dizer que eu assistia umas 60 partidas por ano ao vivo no estádio. Se vê muita coisa, de tática, de entrega dos jogadores. Como se comporta em partida fácil e difícil. Tem a parte técnica, mas acho que uma das funções do olheiro é ver a personalidade do jogador, tentar enxergar isso dentro do jogo. Posso te dizer nunca deixei escapar um jogador. Não é que ele vai para o seu time, mas saber quem é o cara mesmo que ele vá para o rival. Acho que fui um bom olheiro, sei avaliar bem o comportamento de algum jogador. É uma coisa valiosa para o que estamos tentando implantar. Às vezes falta um algo a mais para o jogador deslanchar. Acho que tenho condição de perceber isso e procurar passar para o treinador.
Torres em sua apresentação: primeiro jogador do Flu a pisar em Xerém (Foto: Mailson Santana / FluminenseFC)

É possível usar esse conhecimento para ajudar o Flu no mercado sul-americano?
O patamar do Manchester é diferente. Para jogar na Inglaterra o menino tem que ter 75% de presença na seleção de base. Não é nada fácil. Mas estive em dois Sul-Americano sub-20, estive no Mundial sub-17... Muitos jogadores que estão me indicados eu já conheço. Isso é importante, isso facilita o trabalho. Cara do Equador, da Colômbia, da Argentina, já vi esses caras, o desempenho em grandes competições. É um facilitador. Por mais que eu estivesse olhando alvos para o Manchester, dentro do contexto das partidas dava para observar outros atletas, quem estava marcando ele, o que ele está marcando. Tem uma ideia global. Vi muita coisa, alguns jogadores que ninguém lembra. Realmente pode ser algo que ajude.
Além do Reginaldo, do Leo Pelé e do Luis Fernando, algum outro jogador que estava emprestado em 2016 também pode ser aproveitado?
Estamos definindo quem será aproveitado. Hoje tivemos uma reunião ótima, esclarecedora e produtiva. Mas não tem uma coisa fechada. O Abel precisa também, né... ele está vendo jogos, vídeos. Alguns ele conhece, alguns eu não conheço. Especialmente na base, em Xerém, o Fluminense tem bons jogadores e condições de extrair mais coisas.
O Flu hoje tem a necessidade de vender algum jogador? O Scarpa fica?
Esse grupo aqui quer trabalhar com o Scarpa. Tanto a comissão técnica quanto a direção. O presidente está afinado no discurso. Agora, não posso dar mais detalhes. As propostas estão aí no mercado, para qualquer jogador. É só ver o que a China ofereceu ao Messi. Acredito que dentro do Brasil não vai ter uma proposta para tirar ele. Gosto dele, é importante ao clube e contamos com ele. Até o momento, não tem nada diferente disso. Faz parte dos planos.
Essa dupla entre você e Abel no futebol daria uma zaga de respeito...
O Abel mais na força, e eu mais na técnica. Ele só não pode falar que tinha mais técnica do que eu (risos). Ia ser uma boa dupla. Se eu não me engano, o meu pai chegou a jogar com ele aqui no Flu. Na saída do Abel, ali por 1976... Abel já foi meu treinador também. Temos uma ligação. Abel é vitorioso, já ganhou títulos aqui. Estou em sintonia com o que ele pensa. Isso é bom para os jogadores entenderem que há harmonia para que eles possam render em campo. Nosso trabalho é dar todas as condições para que os atletas façam o máximo nos jogos. Nos organizamos para os jogadores não tenham problema algum para render o máximo.

Fonte: Globo Esporte

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